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A pandemia e os consensos

Tuesday, October 27, 2020 - 09:59
Publication
Jornal de Negócios

A força da nossa sociedade durante esta crise também depende do modo como o Governo procurar consensos. A busca do consenso não é uma opção de tática política. É um imperativo ético e uma marca de boa governação.

A crise mundial e nacional criada pela pandemia da covid-19 é real e disruptiva. Quebra o funcionamento dos sistemas de decisão e organização em governos, empresas e instituições. Para a sociedade humana, o confinamento, o distanciamento social e a pandemia não são oportunidades. São custos severos. De saúde, económicos e de convivência social.

A tecnologia ajuda a lidar com alguns desses custos, mas não os elimina e, pelo contrário, cria alguns custos adicionais significativos.

Como em todas as crises anteriores alguns conseguem beneficiar com a situação. Mas essa melhoria circunstancial ocorre num quadro geral de perda coletiva. Por isso, dar exemplos de alguns casos de sucesso não é estimulante nem motivador. Mas a partilha de boas práticas ajuda à compreensão dos problemas empresariais, económicos e sociais comuns. A linha que separa a partilha de experiência do discurso das oportunidades é estreita, mas na minha opinião deve evitar-se a segunda. Tendo em conta o grau de ansiedade e stress em que vive a sociedade.

A crise atual também destrói o processo de planeamento, decisão e implementação de muitas empresas e instituições.

Tal como o Estado, muitas empresas preparam os seus orçamentos anuais, num quadro de incerteza e ambiguidade. Tudo é emergência. As rotinas antigas, criadas ao longo de gerações de melhorias contínuas, perderam-se. Os processos de gestão e controlo diluíram-se. A comunicação interna e externa fica vazia e desconexa.

Prometer futuros concretos, como fazem alguns videntes, não é credível. Mas alertar para os cenários de catástrofe também não foca as atenções de forma construtiva no que é preciso ser feito.

A definição de prioridades é neste momento a prioridade. Quer no Governo quer nas empresas.

Na generalidade dos países europeus, e também em Portugal, está a ser dada prioridade à preservação dos elementos estruturantes da vida social. A escola é o caso mais paradigmático. Parece-me consensual que tudo deve ser feito para que as escolas, a todos os níveis de ensino, continuem a funcionar. Haverá certamente muitas perturbações provocadas por surtos do vírus, mas cada escola lidará com este assunto em termos localizados no espaço e no tempo, em função da sua gravidade. E de forma descentralizada para permitir o máximo de adaptação à realidade.

Penso que há um certo consenso de tentar preservar ao máximo os elementos estruturantes da vida económica e social mesmo aceitando perturbações importantes necessárias à gestão sanitária da pandemia.

Nos próximos quinze meses a maioria dos efeitos da pandemia serão conjunturais ou temporários. Isso significa que as mudanças na organização social e os estímulos económicos devem também ser temporários.

Esta ideia da prioridade de medidas temporárias no ano de 2021 é útil para as políticas públicas, mas também para a planificação da vida empresarial. Isso não significa que a crise provocada pela pandemia e o confinamento não venham a criar cicatrizes permanentes no tecido humano, económico e social. Terá. Certamente nos que perderam a vida, mas também nas empresas, instituições e empregos que vierem a desaparecer de forma permanente.

E aqui é que começam a falhar alguns consensos. Eu penso que os estímulos necessários para lidar com a pandemia devem ser temporários, transversais e adicionalmente dirigidos aos setores mais afetados pela crise, como os serviços ligados à fileira do turismo no caso de Portugal. E, portanto, não devem ser usados para aumentar de forma permanente despesa publica em certos programas públicos incluindo os estímulos à transformação digital e ambiental.

Os recursos são necessários para preservar as estruturas produtivas que existiam antes da pandemia na esperança de um regresso o mais rápido possível à normalidade. E não para acelerar a transição para as atividades que beneficiaram conjunturalmente com a pandemia.

A aposta numa subida excessiva do investimento público é também perigosa, já que este cria muitas vezes despesas permanentes, de operação e manutenção, o que se pode constituir num acréscimo permanente de custos.

A busca de consensos sobre as prioridades parece-me mais importante do que a busca de consenso sobre as medidas concretas, que podem necessitar de alguma rapidez na decisão e implementação. E o consenso não é uma maioria de votos no Parlamento. Isso é apenas a legitimidade democrática.

A busca de consensos obriga a compreender a lógica conceptual do pensamento dos outros e não apenas a aritmética do poder. Quem se preocupa com consensos é naturalmente humilde porque aceita a hipótese de que uma pessoa totalmente isolada politicamente pode ter razão. O autoritarismo é inconsistente com o consenso.

A força da nossa sociedade durante esta crise também depende do modo como o Governo procurar consensos. A busca do consenso não é uma opção de tática política. É um imperativo ético e uma marca de boa governação.

 

 

João Borges de Assunção, Professor da Católica Lisbon School of Business & Economics​

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