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O desafio não vai ser adotar soluções de IA, mas adotar uma postura de hands-on para uma de co-piloto, como bem batizou a Microsoft.

Há muito que o marketing deixou de ser apenas uma função centralizada. Infelizmente ainda se confunde o mesmo com apenas Promoção ou Comunicação. Ou quem lhe chame simplesmente Propaganda. Mas o século XXI já chegou. Sabemos hoje que a marca é o centro do negócio de onde emergem produtos e serviços apaixonantes e convincentes à compra e toda a organização está convocada, não apenas o Marketeer.

Na definição ampla (mas a meu ver adequada e não minimalista) de que o Marketing é a “experiência total”, cunhada por Allen e Simmons em 2003, traz-se ao de cima que todos na empresa contribuem para esta experiência 360 percecionada pelo cliente, devendo por isso o marketing ser também adicionado nos Recursos Humanos, IT, Vendas, Serviços Centrais Administrativos, …

Por isso, estando uma imensa maioria de soluções de IA a ser desenvolvidas para aplicação no Marketing nesta conceção abrangente, é de estranhar quem ainda diga não perceber como é que ela vai afetar a sua empresa e o seu posto de trabalho. Porque a resposta é: sim, vai afetar. Transversalmente a toda a organização. O que puder ser otimizado por IA, será otimizado por IA. O marketing, nas suas variadas dimensões, dentro da empresa e fora, prepara-se para dotar os pioneiros de melhores margens por maior eficiência nos processos e eficácia nos resultados.

Se não acredita, não relaxe a pensar que o seu concorrente pensa da mesma forma.

 O Marketing Distribuído

Da produção à investigação e desenvolvimento, ao research, às vendas, à comunicação interna, jurídicos… o marketing é hoje um agente transversal que impulsiona com inovação a organização. Porquê o Marketing? Porque a tecnologia ‘per se’ de nada serve se não tiver ao centro o foco no cliente, pilar essencial do gestor. Seja ele responsável pelos serviços de segurança, desenvolvimento de produto, procurement…

Com o avanço da Inteligência Artificial (nem falo tanto da IA generativa apenas, mas também) esta integração vai acelerar. Isto porque hoje é claro que o marketing não é apenas uma função isolada. O marketing já não é apenas do Marketeer. Mas de todos. É um conhecimento centrado no cliente que permeia todas as áreas de uma organização. É sobre a criação de valor em todas as áreas do negócio.
 

"O marketing é demasiado importante
para ser deixado apenas ao departamento de marketing."
Philip Kotler

Não é à toa que empresas como a Amazon são exemplos citados com a filosofia do marketing distribuído, contando desde os engenheiros de software que trabalham diretamente com dados de marketing para melhorar a experiência do utilizador, até à equipa de logística que usa insights de marketing analytics para otimizar a entrega e personalizar o atendimento, etc.

Modelo Operacional de Marketing

O conceito de modelo operacional de marketing refere-se à forma como as organizações estruturam e coordenam o marketing através de diferentes departamentos e funções. Não se trata de uma área autónoma, mas sim um sistema dinâmico que interage com várias partes da organização para gerar valor.

Se previamente o Marketing Estratégico reúne os dados internos e externos à organização, incorpora as vantagens e desvantagens competitivas e traça o caminho do que deve ser a proposta de valor do produto/serviço, a sua operacionalização é depois necessária ser executada por todos, e não apelas pelo Marketing.

E é nesta fase que estamos hoje, com empresas pequenas, de média e grande dimensão, cada uma com dificuldades operacionais á sua escala, mas todas com desafios, a procurar otimizar os recursos para conseguir implementar a estratégia de forma mais rápida e mais alinhada e centrada no cliente. E é precisamente onde mais soluções de IA estão e vão aparecer e ser determinantes.
 

"O marketing não é uma arte nem uma ciência; é uma engenharia.
A habilidade está em criar um sistema que conecta o que uma empresa faz com o que o cliente valoriza."
Seth Godin

Berkana Two Loop Model

O Berkana Two Loop Model é um modelo simples do Instituto Berkana (uma organização sem fins lucrativos fundada em 1991, dedicada a apoiar líderes e ativistas comprometidos em promover mudanças positivas nas suas comunidades) que descreve como os sistemas estabelecidos declinam e novos sistemas emergem em paralelo. De forma simples: enquanto um sistema atinge o ponto máximo logo começa a decair para um novo sistema começar a emergir de forma experimental até se consolidar como o novo padrão.

O Sistema Dominante é substituído por um Sistema Emergente, impulsionado pelos Pioneiros. Este ciclo de mudança e evolução empurra as organizações de uma forma natural, mas precisa estimular estes pioneiros, nomeando-os, ligando-os, apoiando-os nesta busca de melhores soluções (com tempo, recursos, até mesmo com o empoderamento público dentro da organização) e por fim usando as descobertas como exemplo e promovendo a sua aplicação.

 

"In spite of popular slogans, the world doesn’t change one person at a time.
It changes as people interact and work together. When local efforts connect as networks, then commit to work as a community of practice,
a new system emerges at a greater level of scale."
 
Berkana Institute

 

Do Berkana Two Loop Model à IA e ao Marketing

No livro "Marketing Artificial Intelligence: AI, Marketing and the Future of Business" de Paul Roetzer e Mike Kaput, é devidamente ilustrado como a IA está a redefinir as organizações e os seus modelos operacionais. A IA vai funcionando não como uma ferramenta adicional, mas sim um catalisador.

 

Automatização Inteligente:

  • Processos que antes exigiam intervenção manual — como atendimento ao cliente, email marketing ou publicidade digital — podem muitos deles ser automatizados. É o caso de soluções como a Hotjar, plataforma que analisa os cliques, scrolls e quais as áreas de abandono num website pelos utilizadores, para gerar sugestões automáticas de melhoria no design. Ou num exemplo mais B2B, onde depois de captar leads pela campanha no LinkedIn ou num webinar, se usam plataformas como a Conversica para realizar follow-ups automatizados por email, gerando uma conversação natural e qualificando as leads.

 

Análise Preditiva e Personalização:

  • Com algumas soluções de IA torna-se mais viável analisar grandes volumes de dados para prever comportamentos de consumidores e personalizar ofertas de forma hiper-relevante. Não é só a Netflix ou o Spotify ou a Amazon; mas também a sua clínica, farmácia online, loja de produtos ou serviços de cuidado animal, venda de fertilizantes, imobiliária, etc, etc… veja-se o caso de soluções como a HubSpot que personalizam conteúdos para cada utilizador ou antecipa necessidades de quem entra no website, partindo de inferência e análise de padrões e daí através destas ferramentas de Marketing-Automation oferece as promoções ou produtos mais adequados.

 

Criação de Conteúdo e Criatividade Assistida:

  • Ferramentas de IA como o aclamado ChatGPT, Canva, Persado, Copy.ai ou brevemente o Veo2 da Google permitem cada vez mais criar descrições de produtos, imagens estáticas ou vídeos de forma mais ágil em inúmeras variantes para testar diferentes abordagens e ver qual a que gera mais resultados.

 

Otimização de Processos e Custos:

  • Ao integrar IA em áreas como supply chain e análise de mercado a empresa pode reduzir custos operacionais e melhorar o serviço. Como exemplo no suporte ao cliente, plataformas como o Zendesk AI oferecem suporte imediato e automatizado a questões frequentes, reduzindo o churn ou conseguindo o upsell e evitando investimentos onerosos em horas contratadas ou número de FTEs.

 

Conclusão

A mudança de paradigma a que vamos/estamos a assistir é, em muitos casos, deixar de ter as mãos no volante e na manete das mudanças, com os pés nos pedais e os olhos em 1001 sítios, para passar a uma condução assistida, onde ditamos o destino e as regras para lá chegar (se mais rápido, ou com menos portagens, ou vistas mais bonitas…), controlando em etapas de controlo, mas sem necessitar estar sempre focado nas várias tarefas manuais e repetitivas sem valor.

O desafio, portanto, não vai ser adotar soluções de IA, mas adotar uma postura de hands-on para uma de co-piloto, como bem batizou a Microsoft (para quem possa não conhecer, as ferramentas de IA da Microsoft integradas em vários dos seus sistemas, como o Word, Excel, etc. denominam-se Microsoft Copilot).

Lembre-se do Modelo da Berkana e encontre os seus Pioneiros para isso.

Dos RH ao Marketing, das Vendas aos Jurídicos, do IT à Produção, etc. Incentive a formação na área, peça-lhes que desafiem o modelo vigente e que comecem por casos simples, de rápida aplicação e de impacto imediato.

O seu negócio agradece.
E os clientes, como foco da organização, também.

Ricardo Tomé, Professor da CATÓLICA-LISBON