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Filipe Santos defende uma "via verde" para os vistos dos profissionais muito qualificados que queiram vir estudar e trabalhar para Portugal. Já há alunos a desistir por causa dos atrasos.

Depois de atacado durante anos, o estatuto dos residentes não habituais praticamente terminou. Em entrevista ao ECO, dean da Católica Lisbon School of Business & Economics, Filipe Santos, alerta que esse foi um regime eficaz na atração de talento para o país e diz que foi uma pena ter sido eliminado. Espera, por isso, que venha a ser reintroduzido, numa altura em que outros países também estão a criar programas para atrair profissionais.

O responsável avisa ainda que hoje “muitos alunos” desistem de vir estudar para Portugal, porque não recebem o visto em tempo útil. “Uma pessoa muito qualificada que venha para Portugal ou um aluno que venha estudar para o ensino superior devia ter um fast track no visto“, defende o diretor.

Esta é uma das partes da entrevista do dean ao ECO. Na outra (que pode ler aqui), debruça-se sobre o Orçamento do Estado para 2025, o IRS Jovem, o IRC e a formação ao longo da vida.

Foi reconduzido recentemente no cargo de diretor da Católica Lisbon School of Business & Economics. Num texto que escreveu a explicar a decisão de continuar nesse cargo, destacava o papel das universidades na formação das próximas gerações. Estamos a formar os profissionais dessas novas gerações, mas estamos, enquanto país, a conseguir retê-los? Que percentagem dos vossos estudantes continua a carreira em Portugal?

Temos a sorte e o mérito de ter nas gerações recentes as mais qualificadas de sempre, e muito bem qualificados no contexto europeu e mundial. O nosso ensino superior tem uma qualidade média muito boa. No entanto, devido em particular ao baixo salário médio da economia portuguesa, muitos vão para fora. É difícil ter estatísticas da Católica, porque somos uma escola muito internacional, e uma grande maioria de alunos nossos já é internacional. Mas sabemos que, globalmente, três em cada dez jovens emigram, vivem e trabalham fora de Portugal. É um número não muito elevado. É uma perda de talento e de investimento em capital humano muito grande. Tem de ser combatido e revertido. Daí as discussões recentes sobre o IRS Jovem e a fiscalidade.

Em relação aos jovens internacionais que escolhem estudar em Portugal, depois de concluídos os estudos, o país está a conseguir reter este talento? Ou vem só estudar cá e sai?

A grande maioria – acima dos 90% – volta aos seus países ou vai trabalhar num contexto europeu. Pessoas que têm uma vertente mais empreendedora e querem criar uma startup sentem que Lisboa é um bom local para empreender, porque os custos salariais e de contexto não são muito elevados. E é uma cidade dinâmica e inovadora.

Devíamos trabalhar para garantir que esse talento fica por cá?

Esse talento é mais difícil de reter, porque é muito móvel. São os melhores e mais talentosos da Alemanha, da Itália, da França e da Noruega, que vêm para Portugal porque querem estudar cá, uma vez que, em termos de qualidade versus custo, Portugal tem uma vantagem competitiva muito grande no ensino superior. Temos de aproveitar essa vantagem, as escolas investindo mais na internacionalização e melhorando-se os sistemas de vistos para alunos estrangeiros. Temos um grande mercado europeu e estamos a começar a atrair também muitos alunos de fora da Europa. Mas a questão dos vistos é tremenda. Perdemos muitos alunos que queriam vir para Portugal porque não recebem em tempo útil o seu visto. É uma área que claramente temos que melhorar.

Tem notado alguma melhoria na emissão de vistos, nos últimos meses, com todas as mudanças que têm sido feitas?

Muito tímida. Houve uma fase em que as coisas estiveram muito paradas e muito complicadas. Agora começou a haver uma ligeira melhoria, mas com um atraso tão grande. Tem sido muito difícil tanto para professores internacionais que querem vir como para alunos. É preciso melhorar muito os processos de vistos. E simplificá-los. Uma pessoa muito qualificada que venha para Portugal ou um aluno que venha estudar para o ensino superior devia ter um fast track, porque é talento que vem e traz imenso potencial para Portugal.

Disse que estas pessoas que vêm cá estudar são as melhores das melhores. Portanto, as empresas portuguesas beneficiariam, se conseguissem atrair este talento.

Muito. Assim como os nossos melhores alunos portugueses têm a vontade de ir lá para fora para se desafiarem, os alunos alemães que recebemos são aqueles 30% dos melhores alunos alemães que querem sair do seu país, que querem desafiar-se.

E como é que conseguimos que fiquem cá? O salário é a chave?

A questão salarial é fundamental. E haver empresas com estrutura, profissionalismo e com crescimento. Multinacionais que trabalhem em Portugal e que estejam a crescer. Um exemplo de uma empresa que cresceu muitíssimo nos últimos anos é o BNP Paribas. É o nosso maior recrutador, neste momento, na Católica Lisbon. Hoje tem mais de cinco mil pessoas a trabalhar em Portugal, todas elas muito qualificadas e com salário médio interessante. O que as pessoas sentem também é que em Portugal as carreiras são muito lentas em termos de evolução, tanto salarial como em termos de responsabilidade. Em empresas internacionais em rápido crescimento, rapidamente a pessoa muda de direção, muda de unidade de negócio, até de país. Precisamos de mais empresas multinacionais que permitam dar carreiras que atraiam as pessoas para ficar.

E como é que se atraem empresas com essas características?

Apesar do contexto geopolítico hoje ser muito desafiante, para Portugal, curiosamente, isso traz vantagens. Por exemplo, as cadeias de valor globais estão a ser reconfiguradas para aumentar a sua resiliência e proximidade regional. Muitos estão a olhar para o sul da Europa como um sítio interessante para investir. Temos a hipótese de fazer um bocadinho o nearshoring, atrair centros de competência, e centros de desenvolvimento de grandes multinacionais, em particular, europeias.

Quanto aos jovens portugueses, o problema não é a saída, é o não regresso.

Sou um exemplo de alguém que saiu e regressou. Depois de estudar aqui, fui fazer o doutoramento nos Estados Unidos, em Stanford, e depois estive 15 anos como professor no INSEAD. Voltei, porque os filhos estavam a crescer, os pais estavam a envelhecer e era a altura em que a pessoa quer estar mais perto da família. Ao voltar, trouxe um conjunto de relações, de contactos e de conhecimentos que nunca teria tido se tivesse ficado. Não é fechar as portas para os nossos não irem para fora. Tem é de ser equilibrado.

A solução não é fechar a porta. É atrair os que já tiveram experiência lá fora. Como se faz isso?

Uma forma de atrairmos pessoas, que acho que funcionou bem, mas, entretanto, foi alterada, foi o estatuto do residente não habitual. Dava um incentivo, depois de passar, por exemplo, cinco anos no estrangeiro, para voltar, porque a pessoa, voltando, teria uma fiscalidade mais atrativa durante os dez anos seguintes. Esse programa teve uma grande eficácia em atrair talento, tanto talento internacional que decidiu estabelecer residência em Portugal, como pessoas que viviam fora e eram portuguesas e aproveitaram esses mecanismos como um incentivo extra a regressar.

Eficaz, mas entretanto eliminado, de modo global.

Foi mantido, e bem, numa certa versão para carreiras de investigação científica, mas como programa global foi alterado. Foi um programa muito atacado, mas permitiu localizar em Portugal talento muito interessante, com remunerações médias razoavelmente elevadas que pagavam impostos. Uma taxa mais baixa do que a taxa portuguesa, mas pagavam impostos. Quanto se fazem as contas, temos de as fazer bem. Não é contar só o dinheiro que deixaram de pagar. É perceber que, se essas pessoas não tivessem vindo, não receberíamos nada. Foi pena ter acabado. Espero que seja reintroduzido nalguma versão, porque é importante.

Vê outros países ainda com programas como este?

Hoje, todos os países estão numa guerra global pelo talento. Portugal teve este programa antes de outros e atraiu muitas pessoas. O crescimento da nossa economia acima do esperado na última década teve que ver em muito com o aumento da população residente e uma parte muito qualificada e com bons salários. Os outros países estão a criar os seus próprios programas de atração de talento e nós estamos a acabar com os nossos. Não faz sentido.

Começámos esta conversa a falar de jovens, mas Portugal é um país bastante envelhecido. Que importância têm programas de formação que olham para o talento para lá da juventude?

De todos os desafios que Portugal enfrenta, o que mais me preocupa é o demográfico. A população está a envelhecer de forma acelerada. Temos de aumentar a taxa de natalidade da nossa população. Acho que é importante conseguirmos criar um conjunto de incentivos e políticas de promoção da natalidade. Desde logo, o crescimento das creches. A creche deveria ser um serviço público. Ponto final. Depois, pode haver incentivos fiscais à natalidade. Além disso, claramente precisamos de imigração. Temos tido imigração nos últimos anos em Portugal e ainda bem. Está a haver agora uma reação contra a imigração, que é errada.

O argumento é que a subida da imigração foi feita de forma descontrolada.

Temos de ter uma política de imigração inteligentemente desenhada e com algum controlo. Mas a imigração é fundamental para o desenvolvimento e a prosperidade do país. Tanto a imigração menos qualificada, como a mais qualificada, e em particular a imigração jovem. Há um conjunto de setores em Portugal que não funcionariam hoje se não fosse a imigração.

Que avaliação faz do programa que este Governo já desenhou para controlar a imigração?

Não conheço em detalhe todos os parâmetros desse programa. É importante que as pessoas tenham consciência, quando às vezes protestam contra o turismo ou a imigração excessiva, que há algumas dificuldades que têm de ser melhor geridas, mas o turismo e a imigração são muito importantes para a dinâmica e para a vitalidade da economia. Devem ser mantidos e bem estruturados.

Falou na natalidade. Como é que promovemos a natalidade ao mesmo tempo que continuamos a combater a desigualdade de género no trabalho, tendo em conta que o nascimento dos filhos é o grande divisor de águas no fosso entre eles e elas?

É importante ter um conjunto de políticas tanto empresariais como públicas para colmatar esse fosso. Falava há pouco do acesso a creches. É muito importante, porque, se uma mãe tiver de ficar fora do mercado de trabalho mais tempo porque não tem apoio para a sua criança, aí o impacto ainda é maior. E, depois, ajudar na reintegração no mercado de trabalho.

Sei que a Católica tem um programa nesse sentido.

Temos um programa pro bono que fazemos todos os anos, que é o Back to work, no qual ajudamos um conjunto de mulheres que saíram do mercado de trabalho – maior parte por questões de maternidade – a voltarem. É um programa de estágios com mentoria que ajuda nesse processo de reintegração. Temos muitas mulheres que gostariam de ser empreendedoras ou que criam pequenos negócios, porque o pequeno negócio é mais conciliável com a vida familiar. Há evidências de que ter talento feminino em lugares de liderança é fundamental para o crescimento do país.