Content in Portuguese.
Esta é a reflexão a ter: estará a minha empresa a abordar a sustentabilidade como uma obrigação ou como uma potencial vantagem de mercado, com impacto positivo no mundo?
A sustentabilidade tornou-se um tema convencional ou até clichê nos últimos anos. Dentro do mundo corporativo (e fora dele) a sustentabilidade aparece como um tema incontornável. Todos, mais ou menos informados ou convencidos, sabemos que existe alguma razão para esta tendência. Há quem lhe chame moda e há quem advogue que a sustentabilidade é, mais do que um imperativo, uma exigência da ciência, uma licença para operar e, em alguns casos, uma fonte de vantagem competitiva. Será?
Neste breve artigo pretendo refletir convosco sobre este tema: será a sustentabilidade imposta pelas regras europeias uma vantagem ou um desfoque da estratégia empresarial?
Nas aulas de Estratégia e Sustentabilidade na Católica, vemos o evoluir desta tendência com todos os públicos: alunos de licenciatura, mestrado ou executivos. Dos primeiros, mais convencidos da importância da sustentabilidade, até aos últimos, onde encontramos opiniões diversas. De todo o modo, o tópico é hoje, ao contrário de alguns anos atrás, parte essencial do curriculum académico de qualquer curso geral de gestão.
Adicionalmente, a evolução da discussão em torno dos tópicos de sustentabilidade tem vindo a passar da questão” porque é que isto é importante?” para “Como podemos implementar?”. Possivelmente, não porque estamos todos convencidos que a sustentabilidade é boa para os negócios, mas, antes de mais, porque ela é um imperativo por parte dos stakeholders. Clientes e consumidores, sociedade, investidores e financiadores, colaboradores (presentes e futuros) e setor público e sua legislação são, provavelmente, as forças externas que mais coagem as empresas a atuar, tendo em conta a sustentabilidade.
De todos estes stakeholders, o Setor Público foi o que mais profundamente alterou as regras do jogo nos últimos 2 a 3 anos. Na União Europeia, em particular, a nova legislação ESG obriga o mercado financeiro (investidores e financiadores) a reportar o seu alinhamento com os critérios ESG (o que traz obrigações de reporte às empresas na sua carteira) e obriga grande parte das grandes empresas a reportar o seu alinhamento ESG (de acordo com a taxonomia europeia, e regras de reporte e diligência devida presentes na CSRD e CSDDD). Esta realidade foi, talvez, a maior impulsionadora da mudança nas perguntas anteriormente referidas em aula: já não queremos saber porque é importante ser sustentável pois, como agora é uma obrigação, queremos apenas implementar!
Esta é uma mudança radical na postura das empresas, que discutimos várias vezes em aula. Se, por um lado, a maior obrigação de reporte e de respeito pelos critérios de sustentabilidade tem aspetos muito positivos, por outro, tornamos a sustentabilidade um exercício mecânico, potencialmente distante da estratégia e da formação de vantagem competitiva! Corremos o risco de transformar os Diretores de Sustentabilidade em especialistas de reporte, não contribuidores para uma estratégia corporativa com impacto no mundo, mas antes prestadores de contas sociais e ambientais.
Usarei, portanto, as próximas linhas para partilhar convosco o que considero serem os três aspetos mais positivos deste pacote legislativo e aqueles que mais poderão pôr em risco a estratégia das empresas em alinhamento com a sustentabilidade.
Aspetos positivos na contribuição das empresas para a sustentabilidade:
- Esta legislação gera mais transparência e menos greenwashing no reporte de sustentabilidade, pois todas as empresas envolvidas têm de reportar de acordo com regras concretas, que se alinham com o core do seu negócio. As empresas não reportam, portanto, as ações que querem nem apenas os seus impactos positivos, mas dados reais e sistemáticos, que são auditados por entidades externas acreditadas.
- A uniformização do reporte com critérios claros e iguais para todos, ajuda à comparabilidade dos perfis de sustentabilidade das empresas. Estas têm de usar, não só os mesmos standards de reporte, mas igualmente a mesma metodologia, o que aumenta a confiança do mercado nos dados divulgados. Os dados recolhidos podem ainda ser bastante úteis para a empresa tomar decisões (nomeadamente, estratégicas).
- A dupla materialidade é um aspeto revolucionário que mudou definitivamente a forma como as empresas atuam nestes temas. O facto deste exercício exigir uma auscultação alargada de stakeholders, obriga as empresas a considerar o core do seu negócio para identificar os seus temas materiais e apurar, não só o impacto financeiro (risco e oportunidade) da sustentabilidade nas suas contas, mas o impacto que a empresa tem no mundo, o que é profundamente transformador.
Riscos para o alinhamento estratégico com a sustentabilidade e formação de vantagem competitiva:
- O burden e a burocracia do processo tiram energia para a estratégia. Na verdade, nas conversas que temos tido com as empresas percebemos que, mesmo para as maiores, o peso e exigência do processo de reporte pode retirar energia para que a sustentabilidade seja vista como uma ferramenta para formar estratégia. Esta começa a ser mais um processo dentro da empresa.
- A sustentabilidade torna-se um exercício contabilístico e não ajuda a empresa a definir vantagem competitva e diferenciação. Quando as empresas usam agendas mundiais, que tocam todos os setores como, por exemplo, a agenda dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, conseguem alinhar-se com agendas relevantes para o mundo e definir a sua estratégia de como contribuir com o seu core business para as necessidades mais prementes da humanidade. A legislação ESG faz um esforço de trazer temas relevantes para o reporte empresarial, ao propor temas materiais em detalhe, mas não promove pensamento estratégico per si. Apenas promove o compliance e a descrição do status quo (apesar de incluir reflexões estratégicas para os pontos materiais e dados que podem suportar a tomada de decisão).
- Apesar de as empresas avaliarem riscos, impactos e oportunidades com base no novo reporte, o detalhe do reporte material fica longe da formação de estratégia, que deveria estar focada em (poucos) temas que possam gerar pontos de diferenciação face à concorrência, e oportunidades únicas de contribuição para a prosperidade social e a conquista de mercado. A formação de estratégia é um exercício gerador de competitividade e crescimento da empresa, algo que não surge como consequência evidente deste reporte ESG.
Neste sentido, e tendo em conta as imensas virtudes das novas obrigações de reporte na União Europeia, que apoio totalmente, pretendo alertar com esta reflexão, de que não são as empresas que cumprem estas regras que vão vingar no mercado. Estas serão as que terão licença para operar. Apesar do alargamento do prazo de reporte e da menor abrangência de empresas “obrigadas “ a reportar, resultante do Pacote Omnibus simplificado, aprovado há dias pela Comissão Europeia, sabemos que as empresas na sua generalidade, irão cumprir as novas regras da linguagem europeia de sustentabilidade. Umas por obrigação, as outras por questões de posicionamento no mercado.
Se quase todas o farão, nem todas serão capazes de utilizar os resultados dos exercícios de materialidade para formar estratégia. E aqui é de onde se inicia a nossa reflexão: Estará a minha empresa a abordar a sustentabilidade como uma obrigação ou como uma potencial vantagem de mercado, com impacto positivo no mundo?
A resposta a esta pergunta poderá posicionar-nos no grupo dos cumpridores ou no grupo dos que percebem que, além de licença para operar, a sustentabilidade é uma enorme oportunidade de negócio. Portanto, esta deve orientar o exercício estratégico de raiz, em qualquer organização.
Filipa Pires de Almeida, Diretora Executiva do Center for Responsible Business and Leadership da CATÓLICA-LISBON