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Apesar de excelente, não restam dúvida que o referido envelhecimento é hoje causa de grande ansiedade. Ora ansiedade, atitude típica de idoso, é bastante estéril. Não é o medo saudável de quem enfrenta um perigo próximo, mas uma sensação vaga de temor, sem definição ou resposta, hoje tão frequente nos debates mediáticos. Que interessa bramar contra a demografia, dado que a política pouco ou nada pode nela?

1 de outubro é o dia internacional das pessoas idosas. Ora dessas, temos muitas por cá. Acima dos 65 anos eram quase um quarto (23,9%) do total da população em 2023, e em crescimento. Segundo o Eurostat, em 1960 eram apenas 7,8% do total; no 25 de abril já estavam em 9,8% e no ano 2000 um pouco menos de um sexto (16%). O valor atual é o segundo mais alto da União, pouco abaixo da Itália (24%), e na previsão da Comissão, em 2070 será mais de um terço (33,6%), então empatado com Malta e atrás outra vez da Itália (33,7%) e da Letónia (35,6%).

Que dizer sobre isto? Considerando que existe apenas uma alternativa ao envelhecimento, só pode ser uma coisa boa. A esperança de vida ao nascer (idade média com que se morre), que era de 64 anos em 1960, está agora nos 82,4. A previsão para 2070 será entre 86,9 (homens) e 90,4 anos (mulheres). Quem se queixa de uma coisa destas?

Apesar de excelente, não restam dúvida que o referido envelhecimento é hoje causa de grande ansiedade. Ora ansiedade, atitude típica de idoso, é bastante estéril. Não é o medo saudável de quem enfrenta um perigo próximo, mas uma sensação vaga de temor, sem definição ou resposta, hoje tão frequente nos debates mediáticos. Que interessa bramar contra a demografia, dado que a política pouco ou nada pode nela? Combater essas inquietações fúteis é urgente, não apenas porque os cristãos vivem na esperança e confiança em Deus, mas porque lamentos, críticas e resmungos são pura perda de tempo para todos. Em qualquer idade há que agarrar a vida como ela é.

Outro erro comum é falar do futuro. O futuro ainda não existe. Nada sabemos sobre ele e, pela experiência do passado, será muito diferente do que imaginamos. A economia vai ajustar, melhor ou pior, e a sociedade, como mais ou menos solavancos, encontrará saída. O que nos compete é o presente, que temos o dever de conduzir à salvação. A realidade, como é, tem benefícios e custos; há que aproveitar os primeiros e tratar dos segundos.

O terceiro disparate é dizer que nos vamos arruinar com uma produção em queda, por falta de trabalhadores, e explosivos custos em saúde e segurança social. Ora o envelhecimento, como se viu, já cá anda há décadas e o país, precisamente nesses anos, teve períodos em que cresceu como nunca. Os aumentos de produtividade já permitem hoje produzir mais com menos gente, e prometem muito melhor. O envelhecimento só existe porque temos qualidade nos serviços de apoio, mas esses nunca impedem de, no final, todos morrerem.

Para lá destes dislates, que podemos fazer para lidar hoje com as novas condições? Como se disse, a economia e finança, resultado de biliões de decisões de milhões de pessoas, fazem o seu próprio ajustamento, se as deixarem. O problema está em adaptar as estruturas culturais e os sistemas políticos que, em geral, sofrem de inércia paralisante. Por exemplo, apesar de vivermos em média mais 20 anos que os nossos avós, e em melhor saúde, continuamos a ter o mesmo conceito de idoso que eles tinham. Isso tem implicações devastadoras.

Seria urgente acabar com a reforma compulsiva por limite de idade. Se uma pessoa não tem condições para trabalhar, em qualquer idade, deve reformar-se. Mas se está em condições, mesmo acima dos 65 ou 75 (e hoje a maioria está), não há razão para deixar o emprego, claro que em tarefas apropriadas, pois uma velhice ativa é a melhor cura para o envelhecimento. A ideia de considerar automaticamente pessoas “fora de prazo” e incapazes de produzir, além de uma indignidade e um desperdício, está totalmente obsoleta.

Outros problemas sérios a resolver estão na democracia. Na nossa sociedade, os velhos são muitos e votam, os jovens são poucos e não votam. Isso cria a pior distorção política do regime, muito mais negativa que corrupção ou extremismo. Das leis laborais ao mercado da habitação, dos impostos, pensões, educação e saúde às poupanças e empréstimos, vivemos hoje num sistema pensado para velhos. Políticos e empresas sabem a quem têm de agradar e servem cuidadosamente as suas clientelas para serem eleitos e escolhidos. Não admira que os jovens emigrem, não consigam arranjar casa ou constituir família, o que reduz a natalidade. Quando os idosos dominam, o envelhecimento cresce.

O pior elemento, porém, é a perda do sentido da existência. Vivemos num tempo materialista, cujo ideal é ser jovem, rebelde, consumidor. Numa vida sem finalidade transcendente, só a sensação momentânea conta. Por isso, a maior parte da população passa a vida de costas, olhando para o passado. Todos pretendem ser jovens, mesmo quando já estão velhos, porque a morte parece o fim. Isso desequilibra a sociedade e mata o ideal.

É óbvio que estas mudanças, indispensáveis para viver melhor num mundo envelhecido, não serão realizadas. Por isso continuaremos na ansiedade, até a sociedade, com mais solavancos que os necessários, encontrar a saída.

João César das Neves, Professor da CATÓLICA-LISBON