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Numa altura em que a sustentabilidade “não está tanto na moda”, o conceito de transição ganha cada vez maior tração, porque assume e enfatiza que há um caminho a fazer rumo à neutralidade climática. Há muito se fala nos “Planos de Transição Climática”, mas estarão eles em risco com as simplificações legislativas propostas pela União Europeia em 2025?
Nos últimos anos, as empresas – desejando mostrar uma atitude responsável perante os grandes desafios globais e contribuir de forma ativa e positiva para o combate às alterações climáticas –, foram proclamando que, até à data X, seriam “neutras em carbono”.
Numa tentativa de concretizar e tornar previsíveis – e visíveis – esses compromissos que as empresas foram assumindo publicamente e impondo a si próprias, a diretiva europeia sobre reporte de sustentabilidade obriga uma empresa que faça este tipo de alegações a ser transparente acerca do seu “Plano de Transição Climática”.
Este plano é, na prática, o roteiro que as empresas traçam para reduzir e neutralizar as suas emissões de gases com efeito de estufa (GEE), e alinhar-se com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 °C. Este instrumento é tudo menos um detalhe: é o coração estratégico da ação climática corporativa. Pressupõe metas concretas de redução de emissões de GEE (dos âmbitos – scopes – 1, 2 e 3), medidas de descarbonização e de compensação, calendarização, investimentos e – claro – um papel ativo, incluindo de supervisão, por parte dos órgãos de gestão da empresa.
Passou, assim, a ser obrigatório reportar a existência deste Plano, o grau de progresso e a sua coerência com outros relatórios financeiros e não financeiros. A norma específica de reporte sobre alterações climáticas (ESRS E1), estabelece os detalhes do relato: desde as quantidades das emissões, ao plano, às políticas, ações e metas, até os impactos financeiros do risco climático.
Mas mais, se na diretiva de reporte a obrigação se esgota nesse mesmo relato (i.e., na informação transparente sobre se existe – ou não – um Plano) noutra diretiva europeia, a Diretiva de Diligência Devida em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), a obrigação para a empresa já é outra: é uma obrigação substantiva, material, de efetivamente ter e executar o plano (e não apenas de meramente reportar se o tem ou não).
Para as empresas abrangidas por esta CSDDD, não basta ter boas intenções ou uma apresentação bonita no PowerPoint com imagens de florestas e painéis solares. O plano deve existir, estar aprovado e, sobretudo, ser implementado, demonstrando que está em linha com a ciência e que é compatível com os objetivos de limitação do aquecimento global.
Mas – e há sempre um “mas” – 2025 trouxe novos ventos (alguns dirão, uma pequena tempestade legislativa). A Comissão Europeia apresentou, a 26 de fevereiro, no contexto do pacote omnibus, uma proposta para simplificar a diretiva de reporte e as respetivas normas (ESRS). A ideia parece sensata: reduzir carga administrativa, sobretudo para pequenas e médias empresas. Mas como sempre, o diabo está nos detalhes.
Por um lado, fala-se numa revisão que poderá diluir a profundidade dos requisitos de reporte, nomeadamente no que toca aos planos de transição climática. Afinal, simplificar é bom — mas descomplicar demais pode levar a subestimar riscos estruturais. Por outro lado, o pacote omnibus propõe também uma alteração aos Planos de Transição Climática no âmbito da CSDDD, eliminando a obrigação de os "pôr em prática", mantendo apenas a exigência de se fazer uma descrição das respetivas ações de implementação.
O objetivo é alinhar melhor o plano de transição da CSDDD com as regras de reporte da CSRD, mas, conforme demos já nota, importará perceber se e em que medida esta alteração salvaguarda a coerência com a Lei Europeia do Clima e com os objetivos que nela a Europa assumiu de ser neutra em termos climáticos até 2050.
As primeiras discussões da proposta omnibus no Parlamento Europeu mostram clivagens. Alguns grupos parlamentares pressionam para que se mantenha a ambição e uma abordagem firme à transição climática. Outros, defendem que esta legislação só deverá ser aplicada a empresas mesmo muito grandes (propondo aumentar o limiar de aplicabilidade da CSDDD de 1000 para 3000 trabalhadores), havendo mesmo quem defenda que tais planos de transição climática representam um fardo burocrático despropositado, pugnando pela sua pura e simples eliminação.
Então, vão ou não sobreviver os Planos de Transição Climática ao pacote de simplificação? Não sabemos, mas é provável que sim, embora com ajustes.
É fundamental lembrar por que razão este plano importa. A transição da Europa para uma economia com impacto climático nulo, não se faz por decreto nem por voluntarismo. Precisa de instrumentos concretos, mensuráveis e com prestação de contas. Precisa da tal accountability que os nossos amigos anglo-saxónicos tanto prezam. O plano de transição climática permite às empresas antecipar riscos, atrair investimento sustentável e, sejamos honestos, manter-se relevantes num mercado que caminha para a descarbonização, quer se queira, quer não.
Portanto, se é verdade que um plano não salva o planeta sozinho, também é certo que sem plano… caminhamos às cegas. E numa era de emergência climática, em que vozes duras teimam em impor a sua visão a preto e branco do mundo, fechar os olhos é o maior de todos os riscos.
Ângela Lucas, Advisor for the Center for Responsible Business and Leadership of CATÓLICA-LISBON