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Uma história de dois governos

Quinta, Dezembro 13, 2018 - 17:18
Publicação
Jornal de Negócios

O próximo ano será marcado em Portugal por eleições legislativas. Uma oportunidade para pensar na qualidade da governação e o grau de polarização político-social.

Quando o atual Governo entrou em funções em 2016 havia dúvidas legítimas sobre se o cumprimento de metas orçamentais teria alguma prioridade na condução da política económica. Relembre-se que a liderança do PS recusou discutir alianças com o PSD e o PP por divergências em muitos pontos com o tema da educação de adultos como um dos mais importantes. As reuniões foram sempre inconclusivas.

Quem queria que o Governo 2016-2019 violasse os limites orçamentais ficou cheio de esperança. Quem queria que as metas fossem cumpridas passou a dormir preocupado.

Curiosamente o atual Governo parece que, durante a legislatura, cumprirá as suas metas orçamentais e tal como o anterior deixará o país globalmente melhor do que o recebeu. E a prioridade da "educação de adultos" só serviu para ironia discursiva e destratar publicamente os eleitores portugueses moderados.

Vistas na perspetiva dos agregados macroeconómicos das finanças públicas, as duas legislaturas completam-se.

O governo do PS de 2011, em que a maioria dos atuais governantes participavam, deixou-nos com um défice das contas públicas de 11,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2010. Para chegar ao défice de 0,2% previsto para o final do ano de 2019 foi necessário o esforço sério de vários governos durante longos nove anos. Segundo cálculos elaborados pelo Católica Lisbon Forecasting Lab - Necep, que coordeno, e de acordo com os dados publicados pelo Governo e o INE, esta melhoria é fruto do esforço combinado das duas últimas legislaturas.

Nos cinco anos da legislatura 2011-2015 o défice estrutural das contas públicas melhorou em termos estruturais 6,2 pontos percentuais (p.p.) do PIB potencial. Um esforço significativo de mais do que 1,2 dois p.p. por ano. A conjuntura económica, porém, foi bastante desfavorável nesse período tendo contribuído para agravar o défice em 0,9 pontos percentuais do PIB.

Na atual legislatura 2016-2019, felizmente, o esforço continuou. O défice melhorou em termos estruturais em 2,0 p.p. do PIB. Um esforço de 0,5 p.p. ao ano, o que é compreensível dado que o nosso défice público hoje já está em valores historicamente baixos e claramente inferiores aos 3% do PIB.

Visto sob a frieza dos números, as duas últimas legislaturas correspondem ao mesmo esforço de recuperação do país do desastre herdado em 2011. Este esforço terá ainda de continuar por mais duas legislaturas, devido a uma dívida pública apenas ligeiramente inferior aos 120% do produto. A nossa história dos últimos nove anos não é a história de dois governos diferentes, mas do mesmo esforço coletivo das pessoas responsáveis que querem servir Portugal.

Isso não apaga a clivagem social criada com a formação do último Governo. Mas clarifica que essa polarização só se manifesta na sociedade e não nos grandes agregados da economia. Também não legitima as benesses dadas a funcionários públicos, pensionistas e donos de restaurantes, mas torna-as de segunda ordem face às principais prioridades nacionais.

O ano de 2019, porém, é de eleições, e por isso o incentivo do Governo para cumprir as metas orçamentais será menor. O facto de as ter cumprido nos três primeiros anos da sua legislatura não é informativo sobre o seu comportamento em ano eleitoral. Por um lado, parece-me que o Orçamento do Estado de 2019 só será suficiente para que o défice no próximo ano seja de 0,8% do PIB. E por outro será relativamente fácil gastar tudo como planeado até às eleições e só ponderar cumprir as metas do défice em caso de vitória eleitoral.

O próximo ano será assim diferente dos anteriores e o que pensamos saber sobre o comportamento do Governo deverá deixar de ser verdade. Temos de estar preparados para sermos outra vez surpreendidos. A educação de adultos continua a ser uma prioridade. Também para mim.

 

João Borges de Assunção, Associate Professor na CATÓLICA-LISBON.

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